quinta-feira, 9 de julho de 2015

"Burro, retardado, idiota, coxinha" (ou Sobre a lógica de times na política)


Representação da divisão política nos EUA. Fonte: http://www.informationisbeautiful.net/visualizations/left-vs-right-world/
As definições "esquerda" e "direita" carregam uma série de pressupostos debatíveis. Quando alguém se define a partir delas, corre o risco de que outros presumam erroneamente certa posição sobre determinado assunto. Por isso dou preferência a discutir opiniões tópico a tópico, ao invés de tomar tais definições como base. Entretanto, se tivesse de escolher, diria que tendo para a esquerda. Sem adentrar excessivamente no que isto significa, direi apenas que há certas posições compartilhadas por mim e entendidas pelo senso comum como sendo de marcadamente de esquerda (debatível ainda, como já dito). Alguns exemplos:
  • Maioridade penal: sou a favor da manutenção em 18 anos;
  • Aborto: sou a favor da legalização;
  • Drogas: sou a favor da legalização;
  • Família: sou a favor do direito ao casamento homoafetivo.
Ainda assim, isto não me impede de manter posições consideradas de direita em outras áreas. Dois exemplos rápidos: acredito que o ajuste fiscal seja necessário e votei contra Dilma nas últimas eleições. Nada mais comum: numa gama tão diversa de possibilidades naquilo que é compreendido como "ser de esquerda" é esperado que alguém não concorde com tudo sem necessariamente deixar de pertencer. Este, porém, não parece ser o entendimento geral, dado que, ao apresentarmos posições contrárias a certa ideologia, as reações, geralmente agressivas, rapidamente nos enquadram como pertencentes à mais inferior das categorias do outro viés ideológico. Em outras palavras, ou somos taxados de coxinhas ou somos taxados de petralhas.

Passei por isso recentemente: apresentei uma opinião divergente sobre um assunto em uma rede social online e fui taxado tal como no título. Contextualizando, resgatei o áudio em que o jornalista Sardenberg teria, segundo afirmam, culpado Lula pela crise na Grécia (ouça aqui). Ao ouvir a gravação, tive uma impressão diferente. Pareceu-me que a intenção de Sardenberg era apontar uma incoerência no governo brasileiro, pois outrora manifestamente contra austeridade, agora vem a praticá-la. Ao opinar deste modo, recebi a seguinte resposta, vinda de um internauta qualquer: "burro, retardado, idiota, coxinha". Independente de eu estar certo ou não em relação ao jornalista, a questão aqui é apontar este padrão de comportamento tão frequente em nossa rotina quando se trata de política, onde cada um defende seu próprio lado como se se tratasse de defender um time de futebol. É a lógica da torcida aplicada à política, daí se parte para discussões sem abertura para, de fato, discutir, isto é, não se quer ponderar as colocações do outro lado nem rever as próprias posições com base nos argumentos. Daí também qualquer fato de menor relevância vira motivo para criticar o outro lado. E mais: não cabe criticar o próprio time, ao menos não publicamente, pois seria munir de ferramentas os torcedores adversários.

Já que evidências são de menor importância nesse processo, muitos optam por argumentos sem fundamento para fazer valer suas opiniões. São as chamadas falácias, ou seja, argumentos logicamente inconsistentes. No caso que protagonizei, tratou-se da falácia ad hominem, em que se procura negar o argumento pela crítica à pessoa. É como se tivessem dito: "você não entende, logo sua colocação é inválida" (traduzindo suavemente), sem, no entanto, considerar minha colocação. Bom, sobre este tipo de comentário agressivo, apenas duas observações: 1) independente da situação, em nada contribui para construção de soluções; 2) não acho válido responder tais provocações por considerar que pessoas que assim agem não estão dispostas a discutir. Por fim, convido todos a fazerem o mesmo. Como se diz na rede, "do not feed the trolls".