segunda-feira, 4 de abril de 2016

Visões sobre mídia e golpe


Desde as acirradas eleições presidenciais de 2014, vemos uma intensa disputa ideológica ocorrer em nossa terra. Ela está nos protestos, no Congresso, entre amigos (que já não se aturam, tamanhas as divergências de opinião) e incessantemente manifesta nas redes sociais online. Num momento tão delicado em que pequenos pedaços de informação têm potencial de favorecer qualquer ponto de vista, é essencial pensar o papel que a mídia ocupa no conflito, em especial as grandes emissoras de televisão, dada a repercussão maior de seus conteúdos.

Sobre este tópico, vejo com frequência o uso do termo “mídia golpista”, como se cada reportagem veiculada tivesse por objetivo guiar a população a pensar de certo modo, a fim de facilitar ou mesmo possibilitar determinados eventos políticos, como, por exemplo, o impeachment de um presidente ou um golpe de Estado. Talvez seja esta uma visão hiperbólica ou acalorada, mas não totalmente desprovida de razão. Sabe-se que em outro momento de nossa história isto ocorreu de fato: a tomada do poder pelos militares em 1964 contou com o apoio aberto de grandes organizações de comunicação em massa, tal como propõe a ideia mais radical do termo "golpe" aqui em discussão. Penso, porém, que os tempos sejam outros e que estas marcas tenham ficado no século XX. No entanto, considero por demasiado ingênua a noção contrária: de uma mídia isenta, imparcial, que apenas relata fatos.

Acertadamente, argumentaria o sociólogo francês René Lourau, um dos precursores da Análise Institucional francesa, dizendo ser impossível a imparcialidade, seja na ciência, na justiça, na educação. Em se tratando de jornalismo, o próprio ato de reportar determinado tema, e não outro, já diz de uma escolha que não é isenta. As pessoas entrevistadas, as palavras que serão incluídas ou cortadas da matéria, as imagens que irão ao ar, a chamada que o âncora usará para a notícia, a sequência de relatos... São todas escolhas, e em todas há alguém que escolhe. Pode ser um editor-chefe ou uma equipe, pode ou não passar por um crivo, mas em todo caso há noções muito específicas daquilo que deve e não deve ser veiculado, mesmo nos jornais tidos como “isentos”, caso dos principais jornais da televisão.
Por trás desta suposta isenção há valores, visões de mundo, ideias sobre certo e errado e, principalmente, ideias sobre aquilo que merece ou não ir ao ar. Portanto, a morte de um preso devido às condições decadentes de nosso sistema carcerário pode ser menos interessante que uma reportagem especial sobre como vivem os políticos presos em operações da Polícia Federal. Ou então, a péssima condição de trabalho de policiais perde relevância frente às imagens de assaltos a transeuntes numa movimentada capital. Frases soltas de investigados em uma operação em curso têm prioridade ante novas políticas públicas com potencial de atingir centenas de milhares. Ou ainda, a elevação positiva de importantes indicadores é ofuscada pela mera menção à palavra impeachment no Plenário do Congresso.
E sobre notícias tendo impeachment como tema, vejo-as deste modo: para o bem ou para o mal, o impeachment seria sem dúvida um acontecimento marcante em nossa história, e qual não seria o editorial de grande porte a querer noticiar evento de tamanha importância em seus mínimos detalhes, dos fatos antecessores aos sucessores? É justamente o que tem sido feito: a lente dos noticiários amplia seu foco sobre cada pequeno fato relacionado ao impeachment, criando um espetáculo televisivo e uma audiência em expectativa, tal como se uma série acompanhasse. Sob a égide da suposta imparcialidade, monta-se um cenário onde tal fenômeno político é aguardado, desejado e até tido como natural, sem que haja espaço para discutir suas consequências, soluções outras, nem mesmo seus argumentos base.

Embora não a trate assim, penso ser a esta imposição midiática que alguns chamam de golpe. Pessoalmente, evito o termo, por soar orquestrado, intencional, mas talvez o ingênuo, no final das contas, seja eu. Deixo esta reflexão para o leitor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário